20/10/2025

União passará a listar disputas arbitrais nos anexos de riscos fiscais

Fonte: Valor Econômico
Com as despesas com precatórios em alta e futuras perdas prováveis no Poder
Judiciário chegando a R$ 575 bilhões, o governo federal vai passar a mapear
nos anexos de riscos fiscais perdas da União em litígios resolvidos em câmaras
arbitrais. Hoje, esse risco, ligado a questões como contratos de concessão ou
reequilíbrios contratuais envolvendo grandes projetos de infraestrutura, não é
monitorado.
A novidade constará nos documentos oficiais do governo federal a partir do
próximo ano. O Executivo identificou que muitos precatórios expedidos contra
a União são oriundos de derrotas não somente no Judiciário, mas justamente
em processos discutidos nas câmaras de arbitragem. Precatórios são dívidas
públicas para as quais não cabe mais recurso judicial.
Em 2026, a previsão oficial é que o governo desembolse montante recorde com
sentenças judiciais: R$ 121,3 bilhões, ante R$ 114,3 bilhões previstos para este
ano. Em 2029, segundo dados da equipe econômica, esse gasto chegará a R$
150 bilhões.
Hoje, os anexos de riscos fiscais apontam somente para futuras perdas no
Judiciário. No mais recente documento enviado ao Congresso no fim de
setembro, por exemplo, a União mostrou aumento nas perdas prováveis no
Judiciário. Esse estoque agora está em R$ 575 bilhões, ante R$ 541 bilhões em
abril, segundo o anexo que acompanhou o Projeto de Lei de Diretrizes
Orçamentárias (PLDO) de 2026. Esses números são formados por
Procuradoria-Geral Federal (PGF), Procuradoria-Geral da União (PGU) e
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
A maior alta ocorreu nos processos administrados pela PGU, que agora totaliza
R$ 345 bilhões - ante R$ 313 bilhões no fim de abril. A PGU é responsável pela
atuação nos principais casos não tributários.
Já nas ações da Procuradoria-Geral Federal (PGF) também houve leve
aumento, variando positivamente de R$ 2,5 bilhões para R$ 5,2 bilhões em
prováveis perdas entre abril e o fim de setembro. Nos casos tributários, que
ficam sob a administração da PGFN, houve breve recuo: o valor de prováveis
perdas variou de R$ 226 bilhões no fim de abril para R$ 224 bilhões em outubro.
O recuo também foi observado nas ações contra empresas estatais, enquanto
em sentido oposto foi identificado um breve aumento no risco das ações
judiciais de entes subnacionais contra a União.
No curto prazo, a equipe econômica já conseguiu endereçar o problema dos
precatórios do ponto de vista fiscal e orçamentário. Em uma Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) aprovada em setembro pelo Congresso, que
tratava dos precatórios referentes aos entes federativos, o Ministério do
Planejamento e Orçamento conseguiu retirar os gastos com precatórios da
União do limite de despesas do arcabouço. Além disso, conseguiu a
incorporação, para fins de cálculo da meta fiscal, de um mínimo de 10% de todo
o gasto com essa despesa ano a ano.
Mas em prazos mais longos os precatórios contra a União continuam
preocupando, já que os documentos oficiais apontam para alta em possíveis
futuras condenações no Judiciário, principalmente nos casos de maior risco -
considerados de perda provável. Possíveis perdas nas ações arbitrais, no
entanto, não são mapeadas, podendo aumentar ainda mais futuros gastos da
União.
Segundo fontes ouvidas pelo Valor, a decisão de incluir as arbitragens visa dar
mais previsibilidade, em um momento em que o Ministério da Fazenda, o
Ministério do Planejamento e Orçamento e a Advocacia-Geral da União (AGU)
tentam evitar a expedição de precatórios contra o governo. Os números estão
sendo consolidados pelas equipes técnicas e serão usados por um comitê que
envolve as três pastas e foi criado no começo do governo para monitorar
precatórios e riscos fiscais.
O economista-chefe da ARX Investimentos, Gabriel Leal de Barros, aponta
que os riscos continuam subindo e são um sintoma do excesso de judicialização
da política fiscal. "Além do problema fiscal ligado a escolhas e decisões de
‘policy’ [políticas públicas], que pioram a percepção de risco e dinâmica das
contas públicas, há ainda riscos fiscais contingentes que se somam aos
anteriores e agudizam a percepção de deterioração do balanço do setor
público”, diz.
Barros avalia que, quanto antes o governo conseguir identificar os riscos fiscais
em potencial, melhor. Nesse sentido, ele considera que a inclusão na lista de
riscos fiscais das possíveis perdas da União em litígios solucionados por câmaras
arbitrais representa um avanço importante em direção a uma gestão mais
diligente e transparente das contas públicas.
“Existe uma intersecção entre direito e economia que precisa ser explorada pela
equipe econômica, de todos os governos. Historicamente isso tem sido
negligenciado e explica em grande medida o gigantismo dos riscos fiscais
mapeados e não mapeados”, afirma o especialista.
Na avaliação de Gabriel de Britto Silva, advogado, árbitro e participante da
comissão de arbitragem da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro
(OAB-RJ), a União passou a participar de litígios arbitrais principalmente após
2015, depois de identificar que resoluções arbitrais são mais rápidas.
Como o governo agora entende que tem perdido casos, o advogado alerta que
é preciso observar se o Executivo continuará buscando os processos arbitrais.
"Resta saber se, fruto das perdas, devidamente fundamentadas fática e
juridicamente, a União permanecerá a ter predileção pela arbitragem em
detrimento da solução de litígios junto ao Poder Judiciário", diz.